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Everybody loves Ricardo Teixeira


O Brasil vai sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014. Isso é bom, ruim ou muito pelo contrário? Entreouvido numa conversa dentro de um ônibus: “Pra quê o Brasil vai gastar construindo estádio se nem tem hospital público decente?”. Auscultado no cérebro do pensador em busca de uma ideologia pra viver: “Vão retirar o pão do povo para lhe financiar o circo”. Como ninguém escuta mesmo a voz afônica das ruas, voltemos no tempo que uma pitadinha histórica não faz mal a ninguém.

A teoria conspiratória: na final da Copa do Mundo de 1998, nossa seleção tomou um passeio da França, anfitriã e campeã. Très bien, 3 x 0, eram tempos em que Zidane usava a cabeça pra fazer gols (aliás, dois gols dele nessa final). Mas a arrogância francesa se bandeou pros lados tupiniquins e se espalhou a seguinte e escalafobética teoria: Ronaldo e Cia. entregaram o jogo porque a CBF tinha um acordo com a Nike, a Adidas e a FIFA, no qual a humilhação nacional seria recompensada com a escolha do Brasil como sede de uma Copa do Mundo. Afinal, aqueles filhos de Asterix não ganhariam nunca de novo da gente!

Como fica difícil crer que Dunga e Leonardo ou Zico e Zagallo aceitassem um trato dessa espécie (se fossem 10 Ricardos Teixeiras e 1 Eurico Miranda, vá lá), na Copa de 2006, eis que Zidane está em campo de novo contra o Brasil e contra Ronaldo (pra piorar, agora são dois Ronaldinhos). Claro, nossa empáfia levou outro baile dos franceses. Novamente, veio à tona a teoria: perdemos para ganhar a Copa de 2014. Tudo isso para não se admitir que os pentacampeões do mundo são fregueses dos gauleses.

Como se viu nessa semana, o rodízio de continentes fez com que 2014 fosse a vez da América do Sul. E como não há páreo de verdade nessa parte do mundo, a escolha do Brasil era óbvia. Disputando apenas consigo mesmo, o país ganhou o direito de sediar uma Copa do Mundo outra vez. Mas, quem são esses que querem pôr a pátria de chuteiras e de ingresso de cambista na mão?

Ora, na euforia global pela conquista brasileira, poucos viram o “vôo da alegria”, que levou dezenas de governadores e ministros para a Suíça a reboque do presidente. Não o Lula, mas Sua Majestade, o presidente da CBF Ricardo Teixeira. Ele que escapou de uma CPI contra si e que comandou um escrete de deputados para defenestrar outra CPI que investigaria a negociata MSI/Corinthians, agora é bajulado pelos donatários estatais e federais que querem levar jogos da Copa de 2014 para seu terreiro. Assim, começou o beija-mão, o pega-na-chaleira* outra vez.

Em 2014, até Lula pode se candidatar a um terceiro mandato não-consecutivo e se eleger de “novo com a força do povo”, já que no Brasil a eleição pra presidente é casadinha com as Copas do Mundo. Aliás, a Casa Branca quando quer esconder as mazelas oficiais, planta uma guerra qualquer. O Brasil, quando precisa ocultar as inconveniências políticas, aproveita a euforia da Copa.

Foi assim com Getúlio, que baixava o sarrafo nos esquerdistas enquanto o povo celebrava os feitos de Leônidas da Silva na Copa de 1938 (Getúlio, porém, não pôde evitar a derrota do Brasil para o Uruguai em pleno Maracanã na Copa de 1950 e o resto é história); foi assim com Médici, que sumia com os esquerdistas enquanto o Brasil festejava o tri-campeonato mundial em 1970 (a Argentina, em 1978, aproveitou pra fazer o mesmo com a oposição; dessa vez, como não há esquerda nem no poder nem na oposição...

Então, um viva aos superfaturamentos de sempre na preparação da infra-estrutura da Copa, um hip-hurra às formações de quadrilha pra sumir com o dinheiro dos estádios. Enquanto a população vai viver sete anos de festeira expectativa, os apaniguados do poder vão viver sete anos de fartura até 2014 e, desde já, rezam agradecidos: “Deus lhe pague, Ricardo Teixeira! Mas não esqueça dos nossos 15%!”. Everybody loves Ricardo Teixeira.

* a expressão “pega na chaleira” vem da canção "No Bico da Chaleira" (1909), de Juca Storoni, e referia-se ironicamente aos políticos aduladores do senador gaúcho Pinheiro Machado que se prestavam a pegar na chaleira de água quente para servir a bomba de mate do chimarrão do senador: "Iaiá, me deixa subir a ladeira / eu sou do bloco que pega na chaleira".

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