Pular para o conteúdo principal

Quem tem medo de música clássica?


Esse texto podia ter como título “Música clássica vs. Música pop”, pois é como os fãs de ambos os estilos parecem entender a música: como um confronto direto por espaço junto a Vossa Excelência, o espectador. Talvez o único espaço onde o clássico e o pop realmente estejam em intrépida batalha pelo nosso apreço seja o espaço virtual das lojas on-line de venda de música. E aí temos uma disputa um tanto injusta, porque se alguém quiser escolher duas ou três canções de um cd pop, gastará de 5 a 7 reais em média. Mas se outro ou o mesmo alguém preferir uma sonata, pagará os mesmos 5 a 7 reais, mas terá apenas uma música, a menos que se queira comprar apenas um movimento de uma sonata.

Isso mesmo: na hora de aplaudir a sonata ao vivo, deve-se aplaudir somente ao final do último movimento da peça, e nunca-jamais entre o primeiro e o segundo movimento, pois a peça ainda não acabou. Ao final, se aplaudiu apenas uma peça. Porém, na hora de comprar a mesma sonata, o escambo on-line divide os movimentos dando um preço para cada um deles. Como se vê, aplausos não conquistam descontos.

Alguém pode dizer que a peça clássica:
1) tem um valor cultural agregado superior à canção pop – se compararmos a sonata Waldstein, de Beethoven, com o cd as 10 Mais do Caldeirão do Huck vol. 3, a gente entende; por outro lado, três canções do álbum Elis & Tom valem bem mais que 10 cds do André Rieu, o Richard Clayderman do violino;

2) possui menos compradores, o que inflacionaria o mercado – o grupo New York Dolls é menos conhecido do que Mozart, mas isso não influi na hora da compra a não ser que a gravação do Dolls seja de canções inéditas desenterradas dos anos 70 e a de Mozart seja a enésima interpretação da Pequena Serenata Noturna por uma orquestra paraguaia (se for de regência de João Carlos Martins, o cd inflaciona mesmo);

3) não interessa ao público jovem, o maior alvo das gravadoras – só quem nunca foi a um concerto pode dizer uma insanidade dessas. As propagandas criaram um perfil etário em que a música clássica só é ouvida por idosos e os mais jovens só escutam hip-hop. É mais fácil ver uma velhinha rebolar ao som do Bonde do Tigrão do que um jovem se encantar com Stravinski. Entretanto, de São Luís a São Paulo, pude observar gente como menos de 25 anos participando de um concerto (no palco ou na platéia), pesquisando nas universidades, comprando cds eruditos (ô, palavrinha), enfim, mostrando um interesse perene ainda que pouco notado.

É difícil engolir termos como música de concerto ou, pior ainda, música erudita – quanto cd rotulado de pop também não apresenta farta erudição? Embora uma vez ou outra eu ainda use os termos referidos, ainda utilizo com mais freqüência o termo música clássica. Aí, vem a pergunta: como ampliar o público de música clássica?

Digo ampliar porque não quero crer que a música clássica contemporânea tenha que ficar reduzida a experimentações cerebrais apresentada a meia dúzia de eleitos. Nesses concertos, uma parte do público entende porque a música é assim, outra parte não entende porque tem que ser assim, e todos fingem que gostaram. Fica parecendo uma exposição de arte contemporânea: nem sempre dá pra saber quando é arte ou quando é charlatanice. Ou só falta de criatividade mesmo.

Por vezes se acusa a OSESP de promover um repertório muito conservador. Noves fora a necessidade de se atender ao gosto médio dominante de seus assinantes (o que não deixa de ser bom também, convenhamos), Arvo Päart, Ratauvaara já estiveram na Sala São Paulo, e no último concerto de 2007 houve a estréia da peça Crase, de Flo Menezes, reconhecidamente um dos nomes mais significativos da música contemporânea. Claro que nesse mesmo concerto tocou-se também a Nona Sinfonia de Beethoven, mas de alguma coisa se precisava atrair o público. E a Nona uma por ano nunca será demais.

Segundo o crítico Greg Sandow, uma das propostas já em ação nos Estados Unidos, é aquela que une o melhor dos dois mundos. Isto é, no mesmo show ou concerto, há música clássica contemporânea e música popular alternativa ou indie (ou crossover). No Brasil, pode-se tocar músicas de Ronaldo Miranda e Rodolfo Coelho de Souza e na segunda parte um concerto de André Mehmari ou Marcos Nimrichter. Ou então começar com lieder (canções de câmara) de João Guilherme Ripper e encerrar o concerto com as vozes de Ná Ozzetti e Suzana Salles.

As possibilidades são muitas quanto os talentos que há. O que falta é vontade de agir e um tanto assim de dinheiro. Às vezes, nem é o dinheiro, mas persistência. E sem um pouco de persistência ninguém segura esse rojão.


Greg Sandow fala mais sobre clássico e pop aqui.

Comentários

Anônimo disse…
joezer, não faz tempo algumas orquestras americanas faziam concerto seguido de boca-livre.
Comida atrai audiência, mas logo a moda passou.
Os jovens compositores raramente têm onde mostrar seu trabalho. Nem aqui na Unesp é fácil. E algo tem que ser feito por essa música que tanto amamos.

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Nabucodonosor e a música da Babilônia

Quando visitei o museu arqueológico Paulo Bork (Unasp - EC), vi um tijolo datado de 600 a.C. cuja inscrição em escrita cuneiforme diz: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia, provedor dos templos de Ezágila e Égila e primogênito de Nebupolasar, rei de Babilônia”. Lembrei, então, que nas minhas aulas de história da música costumo mostrar a foto de uma lira de Ur (Ur era uma cidade da região da Mesopotâmia, onde se localizava Babilônia e onde atualmente se localiza o Iraque). Certamente, a lira integrava o corpo de instrumentos da música dos templos durante o reinado de Nabucodonosor. Fig 1: a lira de Ur No sítio arqueológico de Ur (a mesma Ur dos Caldeus citada em textos bíblicos) foram encontradas nove liras e duas harpas, entre as quais, a lira sumeriana, cuja caixa de ressonância é adornada com uma escultura em forma de cabeça bovina. As liras são citadas em um dos cultos oferecidos ao rei Nabucodonosor, conforme relato no livro bíblico de Daniel, capítulo 3. Aliás, n