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um demônio no piano, um anjo na bateria



              










Ao olhar essas duas imagens, alguns dirão que a da esquerda está profanando um instrumento e que a outra é uma blasfêmia contra a música e a religião. Se estivesse vivendo hoje na Terra, Jesus tocaria bateria? Alguns responderão: nunca! Mas, no fundo, não sabemos a resposta. Temos certeza que Ele não poria fogo no piano da igreja e nem se vestiria com as roupas do antigo Israel.

Eu tinha 18 anos e mais arrogância que técnica pra tocar piano. Eu participava de um programa jovem na igreja ali por 1989 e um quarteto ia cantar uma música animada. Vale dizer a quem não era nascido no período jurássico que “música animada de quarteto nos anos 80” não tinha nada ver com axé ou funk gospel (mas tinha gente que não gostava assim mesmo).

Durante a música, eu comecei a fazer uma levada típica de bailinho movido a rock dos anos 50. De repente, um garoto de uns 10 anos de idade disparou até a frente e começou a balançar os quadris como um Elvis Kid - enquanto eu tocava me achando um Little Richard. Constrangimento de uns, risos de outros. E tudo só com o piano. Sem percussão, sem tambores, sem adufe.

Se o piano fosse somente tocado desse jeito, aquele crente que, no século 19, dizia que o piano era um “instrumento de cabaré” estaria certo. Mas há muito tempo sabemos que pianos não são bichos perigosos. Pianistas, sim.

De volta ao tempo atual. Vou a uma igreja no sábado pela manhã e vejo uma bateria eletrônica montada ao lado do piano. Em 1989, provavelmente diriam que não só a percussão na igreja era profana, mas também que aquele que só imaginava uma bateria dentro do templo já cometia pecado. Fico sabendo que quem toca aquela bateria é alguém com menos de 35 anos e que tem o cargo de conselheiro dos jovens naquela igreja. Há 30 anos, anciãos não tocavam nem violão no templo.

Eu o observo tocando nos momentos de louvor do culto. Ele não faz “viradas arrasadoras” nem “levadas extravagantes”. Percebo que o sonoplasta deixa a bateria com volume inferior às vozes e aos outros instrumentos (piano, flauta, contrabaixo, sax).

Tem mais: não vi ninguém em transe nem dançando pelos corredores da igreja. Que coisa, não? A bateria nem parecia um bicho-de-sete-tambores!

Quando conto essa experiência e depois pergunto, Quem tocou como um “anjo”, o pianista ou o baterista?, a resposta sempre é “o baterista”. Claro que, como não sabemos a intenção do coração de cada um, nem vemos os anjos com seus instrumentos, podemos no máximo dizer que o baterista tocou de acordo com as expectativas de reverência e santidade que aprendemos a associar aos anjos.

Não se trata de uma sugestão para ficarmos feito impávidos colossos, estáticos e inertes ao tocarmos ou cantarmos. Nem estou recomendando a compra imediata de um kit de tambores. O que quero dizer é que essas duas experiências mostram que o instrumentista é quem dota seu instrumento de correção e adequação por meio da forma de tocá-lo.

A qualidade dos instrumentos e o modo de amplificar o som também influi muito para um resultado satisfatório, para que sejam ouvidos realmente como acompanhamento para o ato de cantar. Além da forma de tocar e sonorizar, há que se ter sensatez e cuidado em perceber as músicas e os momentos dos cultos em que a bateria se encaixa melhor. Há que se ver, inclusive, se ela é realmente necessária como acompanhamento em algumas partes da liturgia! 

Anjos tocam bateria? Anjos tocam piano? Se tocam, certamente não o fazem com espírito exibicionista e inadequado. Anjos não tocam bateria? Bem, anjos também não se casam, não recolhem dízimos e ofertas e, ainda que quisessem compartilhar do louvor das congregações espalhadas pelo globo, eles adoram a Deus em uma realidade completamente diferente. 

Há quem veja o demônio na bateria, mas ele atua mesmo é quando a orientação e o diálogo fraternos são trocados pelo bate-boca na internet e pela censura autoritária, em que a Bíblia é manipulada a fim de que a interpretação pessoal prevaleça, em que a civilidade cristã dá lugar à agressividade diabólica.

Comentários

Anônimo disse…
que artigo! parabéns, one more time...

edson nunes jr
É muito bom ler algo ponderado e objetivo sobre este assunto geralmente tendencioso, para um ou outro lado.
joêzer disse…
edson, maria,

o comentário de vocês me incentiva ainda mais a pesquisar e orar.
Ieda Martinez Milbratz disse…
Olá, Joêser!
Amei ler seu texto! É exatamente assim que penso...
Pede-se que não se use música com bateria na igreja, mas não há material para suprir as necessidades, pois nos SELS e demais lojas de nosssa denominação, os playbacks são na sua grade maioria com bateria e diga-se de passagem, com MUITA bateria...digo muita no sentido de que ela aperece muito mais que outros instrumentos...e isto ocorria por até então não haver consenso entre nosssos líderes...mas, li o último documento da igreja com o posicionamento sobre o assunto e gostei...EQUILÍBRIO, BOM SENSO e ESPIRITUALIDADE e HUMILDADE é o que resume!!!
É uma pena que muitos de nossos músicos não consigam chegar ao ponto certo do equilíbrio e do bom senso que seria justamente consequência de alguém espiritualmente maduro que em sua sinceridade de coração e humildade, sabe fazer boas escolhas!!!
Ieda (Profa de Musicalização e Coral)

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