Uma recente e polêmica decisão judicial no Rio Grande do Sul autorizou a retirada dos crucifixos dos tribunais. De fato, no tribunal dos homens, Cristo dificilmente tem vez. Por que manter esse fingimento de ter sua imagem ali por perto? Tirem os Cristos esquecidos da parede! Porque com tanta injustiça, perjúrio e falso testemunho, o único vestígio de santidade era a imagem de um Cristo pendurado numa cruz que só não escondia o rosto diante de tanta impunidade por estar com as mãos pregadas.
O argumento-chave para esta decisão é a separação entre religião e Estado. As igrejas não estão perdendo seu direito de utilizar dentro de seus templos as imagens que representam sua crenças: a Deus o que é de Deus. Mas os fóruns públicos podem decidir não mais exibir um símbolo singularmente cristão em um lugar necessariamente laico: a César o que é de César.
Um indivíduo pode declarar-se cristão no censo do IBGE, mas a um órgão público não cabe essa competência. O Estado, e sua esfera legislativa e executiva, não deve obrigar um cidadão a adotar uma religião ou coagi-lo a abdicar de sua crença. Nem uma igreja deve aspirar ao poder secular (embora a História nos conte/nos contará episódios horrendos derivados da união de interesses entre Estado e Igreja).
Os cristãos devem zelar pelo Estado laico, um Estado que pode ser influenciado pelos valores religiosos, mas que não adota tais valores por serem os valores desta ou daquela religião. O Estado deve se pautar pelos valores da liberdade, do direito, da ética. Certamente, tais valores irão coincidir com os princípios centrais de justiça e fraternidade de uma religião que ajudou a constituir a mentalidade ocidental dos últimos dois mil anos.
Outra razão para o cristão defender um Estado que promova a liberdade religiosa, mas que não se submeta à alçada religiosa institucional, é o fato histórico de que o próprio Cristo foi vítima de um infame tribunal religioso. Como não tinham poder para matar, os "doutores da lei" do Sinédrio judaico uniram-se ao Estado romano para passar por cima de todos os direitos jurídicos do Acusado: conspirando, prendendo, falsificando, perjurando, torturando e, por fim, executando.
Num mundo que aprendesse com os próprios erros, a imagem de tal vítima da injustiça dos tribunais poderia servir ao menos para lembrar dos ardis perpetrados com o fim de prejudicar o cidadão. No entanto, assim como a retirada de um símbolo religioso de um tribunal não configura ameaça à liberdade religiosa, a presença do crucifixo jamais curou a célebre cegueira de tantos doutores da lei.
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