Pular para o conteúdo principal

música clássica não é coisa de véio!

Não sei se você lembra ou se já era nascido, mas não faz tanto tempo que passou na TV um comercial de refrigerante(?) que era mais ou menos assim: um adulto todo engomadinho ouvia ópera com uma expressão de profundo tédio. Aí o narrador dizia: mas enquanto esse tempo (de ouvir ópera feito um velho caidaço?) não chega, aproveite para... Então aparecia uma menina toda feliz e animada ouvindo música pop e tomando seu xarope com gás.

Associar música clássica com caretice e música pop com modernidade é um truque barato dos publicitários para vender uma imagem de produto hype para descolados e afins. Uma pena, porque música clássica não é coisa de véio!

Música pop também pode ser absurdamente entendiante e chata como um bate-estaca, uma Macarena, uma Celine Dion cantando o tema do Titanic, uma Beyoncé se esgoelando e fazendo pose de stripper, uma Shakira rebolando pior que a Gretchen, um Restart que deveria ser reinicializado, um Marcelo Camelo, um discurso da Dilma...

Escutar uma ópera nem sempre é tarefa fácil. Tem coisa muito longa (4 horas!) que está além da minha capacidade de me concentrar e de ficar sem ir ao banheiro. Mas é covardia colocar uma peça clássica sonolenta e contrapor a um pop sacolejante. Mas não importa, sempre vai haver uma criatura que vai achar a nossa música preferida uma chatice.

E qual a solução para rejuvenescer o público da música clássica? Aí é que está. O público de música clássica não é composto só pelas faixas da melhor idade. Vá a um concerto e veja quantos jovens estão interessados em assistir música orquestral ao vivo.

Mas há quem insista em "rejuvenescer" o repertório e que, na ânsia de atrair novos públicos, põe uma bateria de escola de samba pra acompanhar um concerto de Mozart, ou então tocam a Quinta Sinfonia de Beethoven numa rave. O pessoal acredita que basta colocar percussão de axé e bateria eletrônica que os jovens virão. Isso parece estratégia evangelística gospel de tocar funk e pagode com letra religiosa para atrair a moçada...

Nem todos os meus sete leitores eram nascidos quando foi lançado o LP Hooked on Classics (foto), um disco com medleys dos trechos mais conhecidos das peças clássicas mais conhecidas tocadas por uma orquestra acompanhada de uma batida eletrônica de dance music ou balada romântica (era o tempo dos Bee Gees!).

Isso não significa que as fusões do "erudito" com o "pop" resultam sempre em obras pavorosas. Até porque o popular sempre rodeou a cabeça dos compositores de música clássica e rendeu obras maravilhosas, do barroco ao moderno. Pense em Villa-Lobos, em George Gershwin, em Aaron Copland, em Manuel de Falla, em Bartók, em Chopin, em Schubert, e a lista não termina.

O disco pode ter fisgado alguma gente para a música clássica. Mas não sei se incentivou à escuta consciente das peças. Eu devia ter uns onze anos e lembro que eu gostava, mas meu professor de piano abominava. O Hooked on Classics de hoje é a mesma coisa que o André Rieu tocando o Bolero de Ravel. E agora sou eu que não consigo engolir isso.

Por outro lado, música pop não deve ser entendida como sinônimo de coisa descartável (embora muita coisa o seja, felizmente). Música pop não é feita só de sanduba com fritas e refri do MacDonalds. Tem uma dieta pop bem melhor. Pense em Stevie Wonder, em Beatles, em Bruce Springsteen, em Michael Jackson, em U2 (estou tentando escrever um nome brasileiro, mas não consigo ir além de Roupa Nova e Guilherme Arantes).

Se você sentiu falta de um artista mais contemporâneo nessa pequena lista, peço desculpas se não consigo ir além dos anos 80.

O importante é que a música, seja clássica ou pop, não se torne adversária dela mesma. Rótulo é coisa da universidade ou do mercado, de gente que precisa dar nome aos animais para dissecá-los ou vendê-los.

Como ouvintes e apreciadores, temos somente que escutar, compreender e tolerar os gostos alheios. Aliás, educação e tolerância melhoram a convivência, produzem paz mundial e preservam os dentes. A única coisa que não dá pra tolerar é o gosto musical dos outros num volume alto. Sou véio mas não sou surdo!

Comentários

Isaque L.F. disse…
Aprendi a gostar de rock no final dos anos oitenta e naquela época achava que música clássica era coisa de velho. Nunca imaginei que um dia aprenderia a gostar e apreciar esse estilo. Hoje, escuto quase que diariamente, Mozart, Bach, Dvorak e tantos outros. É claro que não comecei a escutar da noite para o dia; levou um certo tempo, aprendendo a apreciar cada estilo.
Daniel Derevecki disse…
Saudações, antes de mais nada parabéns pelo blog. Sobre o texto referente ao contraste entre música clássica e pop e os exageros em se "recriar" o estilo ao alto custo do bom gosto, creio que a razão esteja na ausência de boa música na educação básica. E não digo apenas música do período clássico, barroco, etc, mas também de música popular recente. Concordo plenamente que Roupa Nova e Guilherme Arantes sejam belos exemplos disso. Acrescentaria um mais antigo, João Gilberto. A precisão rítmica que ele demonstra ao cantar e tocar o violão é impressionante.
Entendo tb que no ambiente religioso falta critério e esclarecimento neste quesito O que fazemos nas igrejas é música popular de louvor.
Sou adventista, regente do Coral Vivace, compositor e bacharelando em Música Popular pela FAP

Forte abraço
joêzer disse…
Daniel, concordo com você. Só acrescentaria que os chamados hinos tradicionais evangélicos foram em sua época expressões populares de louvor também.

Postagens mais visitadas deste blog

o mito da música que transforma a água

" Música bonita gera cristais de gelo bonitos e música feia gera cristais de gelo feios ". E que tal essa frase? " Palavras boas e positivas geram cristais de gelo bonitos e simétricos ". O autor dessa teoria é o fotógrafo japonês Masaru Emoto (falecido em 2014). Parece difícil alguém com o ensino médio completo acreditar nisso, mas não só existe gente grande acreditando como tem gente usando essas conclusões em palestras sobre música sacra! O experimento de Masaru Emoto consistiu em tocar várias músicas próximo a recipientes com água. Em seguida, a água foi congelada e, com um microscópio, Emoto analisou as moléculas de água. Os cristais de água que "ouviram" música clássica ficaram bonitos e simétricos, ao passo que os cristais de água que "ouviram" música pop eram feios. Não bastasse, Emoto também testou a água falando com ela durante um mês. Ele dizia palavras amorosas e positivas para um recipiente e palavras de ódio e negativas par

paula fernandes e os espíritos compositores

A cantora Paula Fernandes disse em um recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras, “altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o desapontamento de alguns admiradores da cantora.  Embora suas músicas falem de um amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes. Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um conselheiro cristão. Paula foi ao programa Show Business , de João Dória Jr., e se declarou espírita.  Falou ainda que não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê “palavras que não sabe o significado”. O que a cantora quis dizer com "palavras que não sei o significado"? Fiz uma breve varredura nas suas letras e, verificando que o nível léxico dos versos não é de nenhu

Nabucodonosor e a música da Babilônia

Quando visitei o museu arqueológico Paulo Bork (Unasp - EC), vi um tijolo datado de 600 a.C. cuja inscrição em escrita cuneiforme diz: “Eu sou Nabucodonosor, rei de Babilônia, provedor dos templos de Ezágila e Égila e primogênito de Nebupolasar, rei de Babilônia”. Lembrei, então, que nas minhas aulas de história da música costumo mostrar a foto de uma lira de Ur (Ur era uma cidade da região da Mesopotâmia, onde se localizava Babilônia e onde atualmente se localiza o Iraque). Certamente, a lira integrava o corpo de instrumentos da música dos templos durante o reinado de Nabucodonosor. Fig 1: a lira de Ur No sítio arqueológico de Ur (a mesma Ur dos Caldeus citada em textos bíblicos) foram encontradas nove liras e duas harpas, entre as quais, a lira sumeriana, cuja caixa de ressonância é adornada com uma escultura em forma de cabeça bovina. As liras são citadas em um dos cultos oferecidos ao rei Nabucodonosor, conforme relato no livro bíblico de Daniel, capítulo 3. Aliás, n